Notícias Entrevista com especialista em medicina esportiva
Moderação é o remédio
Na minha coluna desta quinta-feira no caderno Equilíbrio (AQUI, para assinantes da Folha e/ou do
UOL), voltei ao assunto da ultramaratonista que foi atacada por uma bactéria
terrível e acabou perdendo as pernas. Você já conhece o caso, já foi tratado
neste blog. Uma das hipóteses para que a ação da bactéria tenha sido tão rápida
é o fato de que nossas defesas ficam alquebradas depois ou durante exercícios de
alta intensidade duração.
Para saber mais sobre a questão, fui conversar com o doutor
Mauro Vaisberg, especialista em medicina esportiva e co-autor
do livro "O Exercício como Terapia na Prática Médica" (Artes Médicas, 2005).
Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista.
FOLHA - A corrida de longa distância inibe as defesas do
corpo? Como? Por quê?
MAURO VAISBERG - Normalmente, o exercício
moderado estimula o sistema imunológico. Há uma série de trabalhos que
demonstram isso, tanto em humanos como em modelos experimentais. Quando você
corre de maneira regular, faz um treinamento moderado...
FOLHA - Moderado é o quê? Algum tempo de
duração?
VAISBERG - Moderado varia de pessoa para
pessoa. Se você é um corredor de maratona, se você correr todo dia a 70%, 80% da
sua freqüência cardíaca, da sua capacidade aeróbica máxima, isso é um
treinamento que está de moderado para intenso, mas ainda não é um treinamento
intenso. Mas, quando você faz uma corrida, uma maratona ou uma ultramaratona,
dependendo das condições climáticas, da sua condição pessoal, pode passar a ser
um esforço muito intenso. Se você faz um esforço, um treinamento moderado e
contínuo, isso reforça o seu sistema imunológico. Mas, mesmo que você seja
treinado, se você faz um esforço muito grande, isso faz cair as
defesas.
FOLHA - Ou seja, mesmo os profissionais bem treinados
correm riscos.
VAISBERG - O profissional não vai para brincar,
o cara se esforça ao máximo porque está tentando ganhar, não é um
não-profissional, que está lá para brincar, entendeu? Mas, mesmo entre os
não-profissionais, tem cara que exorbita, ele acha que tem que se superar.
Então, ele faz um esforço muito intenso.
FOLHA - Isso pode ser prejudicial. Mas treinar, de modo
geral, é bom, não é?
VAISBERG - Normalmente, quem treina, quem faz
exercícios de maneira regular e moderada tem menos infecção de vias aéreas do
que a população geral. Então, vamos dizer que a população geral tenha cerca de
cinco a sete resfriados ou gripes por ano. Quem treina, o cara que treina para
correr ou o ciclista que treina sem o intuito de uma competição ou sem um
treinamento muito pesado, tem menos infecções, ele tem duas, três, por ano. Cai
pela metade, pelo menos. Agora, quem treina pesado, ou seja, esses atletas
profissionais que treinam muito forte, que competem muito forte, eles têm mais
infecções do que o sedentário, que não faz treinamento nenhum.
FOLHA - Isso porque a corrida ou o esforço físico, inibe
essas defesas do organismo?
VAISBERG - Há uma série de explicações. A
infecção de vias aéreas superiores, que é o principal problema do atleta,
provavelmente associa uma série de fatores, tipo: como ele respira muito, ele
acaba desidratando as vias aéreas. Ele seca a via aérea. Então, a gente tem,
normalmente, um anticorpo _que está na nossa saliva, nas secreções_, chamado
IGA, que protege. Então, uma das explicações é que, ressecando, você tem a
diminuição da produção desse anticorpo. Ou seja, a perda desse anticorpo
protetor.
Além do fator local, há também o fator sistêmico. Há uma série
de células que a gente tem de proteção do sistema imuno do organismo, que quando
você faz um esforço extenuante, você acaba por ativar tanto a célula, que ela
acaba ficando um período refratária, entendeu? Um período em que ela está sem
condição de te proteger. Ela entra em exaustão. Então, em neutrófilos se mostra
isso aí. O neutrófilo é a primeira célula de defesa do nosso organismo. O
neutrófilo, depois de um exercício extenuante, acaba ficando sem função. Isso
demonstra que ele teve uma superativação. Então, ele foi tão ativado pelo
exercício, o sistema imunológico ativa o exercício, ele foi tão ativado, que ele
acaba perdendo a função
FOLHA - Isso dura muito?
VAISBERG - Depois de algum tempo, retorna ao
normal.
FOLHA - Há alguma forma de acelerar a volta à
normalidade?
VAISBERG - Há uma série de situações, nas
quais, em tese, o indivíduo pode tolerar um pouco mais o esforço. Há trabalhos
mostrando que suplementando com carboidrato você tolera melhor o esforço. Mas,
isso, também, não é um negócio absoluto. Porque é o seguinte: a questão da
tolerância ao esforço, também, tem uma variação individual. Então, essa variação
individual tem outros fatores, além só do esforço físico em si. Então, se o
indivíduo está mais ou menos tenso naquele dia. Se o indivíduo teve ou não
exposição a algum vírus dois ou três dias antes. Você vai correr uma maratona.
Cinco dias antes você foi numa festa, num ambiente fechado e tinha várias
pessoas meio gripadas. Aí chega lá na hora você faz um esforço extenuante e isso
facilita com que você tenha a gripe, entendeu? Outra coisa: normalmente,
qualquer pessoa que tenha qualquer sintoma febril, a gente contra-indica um
esforço maior. Se o sujeito não está bem, ele não deve correr. Então, essa
corredora, provavelmente, ela devia estar se sentindo mal...
FOLHA - Exatamente.
VAISBERG - Tomou alguma coisa para conseguir
tolerar a corrida. Isso é um contra-senso. O esporte, o exercício deve ser uma
coisa que sempre tem que ser bem tolerado, mesmo que você faça um esforço. É
óbvio: todo atleta faz um esforço grande, mas você tem que entrar em boas
condições. Se você não estiver em boas condições, você não deve nem entrar.
FOLHA - Se o sujeito está gripado ou com febre, não deve
correr.
VAISBERG - Não deve nem fazer o treino do dia.
Não, não, não deve nunca. Acordou, está mal, chazinho e cama. Ninguém vai deixar
de trabalhar, mas, chazinho e colo da mamãe. Por quê? Porque você não sabe, tem
alguns vírus que tem tropismo pelo miocárdio. Então, você pode ter uma
miocardite viral e o esforço de uma maratona ou de um treino muito puxado pode
facilitar isso. Então, se o indivíduo não está bem, ele não deve fazer exercício
e muito menos entrar numa competição.
Isso tem que ser regra de ouro. Aí não tem papo, não tem
discussão.
CONTINUA...
Escrito por Rodolfo Lucena às 23h09
Atividade é necessária
Confira a segunda parte da entrevista com Mauro
Vaisberg, especialista em medicina esportiva e corredor há 36 anos
--começou no início da faculdade. Hoje com 55 anos, ele costuma correr duas
vezes por semana, bicicletar outras tantas e também gosta de nadar. Não costuma
participar de provas, mas abre uma exceção para a São Silvestre: já esteve em
umas tantas, sempre na boa, sem contar tempo nem medalhas...
FOLHA - O que pode ser feito para
prevenção?
VAISBERG - Você precisa se alimentar bem. Nos
dias que precedem, a prova você precisa se alimentar bem, você precisa se tratar
bem, você precisa dormir bem. Tudo isso é importante para evitar que você tenha
problema. Dormir, por exemplo, é o tipo do negócio que ninguém dá muita bola,
não é? Todo mundo acha que dormir é perder tempo. Na verdade, dormir é
superimportante. Trabalhos feitos experimentalmente, com o sono, se você não
deixa um animal dormir um certo período de tempo, que eu não sei exatamente
quanto, o bicho pode morrer e, em geral morre por infecção, entendeu? Então,
dormir bem, antes da prova é fundamental, também. É uma das medidas que o
indivíduo deve tomar.
E o sono é uma coisa para a qual o sujeito deve se preparar. Eu
estou desligando agora o meu computador, está certo? Então, tem uma série de
passos para você desligar o computador, não tem? Você não puxa da tomada, só.
Dormir é a mesma coisa. As pessoas ficam com o rádio, a TV e o computador
ligados, de repente deitam e acham que tem que dormir bem.
Não dá, porque para a gente dormir tem que secretar uma série de
substâncias: hormônios, neurotransmissores, citocinas e você tem que dar um
sinal para o teu cérebro que está na hora de dormir. O sinal para o teu cérebro
é: diminuir o ruído, diminuir a luminosidade, diminuir a atividade, que era o
que acontecia, lá sei eu, 80 anos atrás, não é? À noite ficava mais escuro,
ficava mais quieto, tinha menos ruído e você tinha, em geral, menos atividade.
Hoje às 11h55 nós estamos com o computador, rádio e televisão ligados,
desligamos tudo, deitamos e achamos que nós vamos dormir. Mas o cérebro está
recebendo uma mensagem assim: "Meu, acorda, olha aí, olha quanta luz, olha
quanto sol", você entendeu?
FOLHA - O sujeito tem de se preparar para o
sono.
VAISBERG - Lógico, é que ninguém dá muita bola
para isso, mas isso é fundamental, também. Então, precisa se tratar bem, precisa
se alimentar muito bem para ter uma boa reserva para queimar, certo? E precisa
ter um sono excelente.
FOLHA - E durante e depois da prova?
VAISBERG - Durante a prova você vai repondo
carboidrato, se for uma prova longa, ou você repõe só líquidos se for uma prova
curta. Depois você tem que fazer repouso, tem que ficar num treino leve. Se você
for um amador, você tem que pensar que você não tem toda a orientação de um
profissional, portanto você deve se resguardar. Um profissional, em geral, tem
técnico, tem nutricionista, tem um médico da equipe que vai orientar. Um amador
não tem tudo isso. Então, ele precisa ligar o aparelho de bom
senso...
FOLHA - E a história dos radicais livres, de que correr
aumenta a produção dos radicais livres, o que aceleraria o
envelhecimento...
VAISBERG - No nosso organismo, os radicais
livres são produzidos normalmente, está certo? Quando você faz um esforço maior,
você tampona, você tem um sistema para não deixar esses radicais livres
prejudicarem teu organismo. Se a produção for muito acima do normal, você pode
superar a capacidade do teu sistema de tamponamento das enzimas antioxidantes de
bloquearem esses radicais livres. Aí, eventualmente, você pode ter algum
prejuízo, você pode ter lesão celular em função do aumento desses radicais
livres.
FOLHA - O que isso provoca?
VAISBERG - Você pode ter lesão muscular, você
pode ter perda de células do sistema imunológico, mas, normalmente, a gente tem
uma boa capacidade de tamponar. Também tem um monte de folclore em cima disso. É
que o nosso organismo é bem-feito, entendeu?
FOLHA - Mas, ao fim e ao cabo, exercício faz
bem?
VAISBERG - Exercício, se não for feito com
exagero, é uma das melhores coisas que tem, pelo seguinte: nosso organismo foi
moldado, ao longo da evolução, para você alternar períodos de atividades com
períodos de repouso. Se você alterna períodos de repouso com períodos de
repouso, você não está obedecendo às especificações do produto, entendeu? Então,
você precisa ter períodos de atividade. Isso faz parte do nosso funcionamento
normal.
Veja toda essa epidemia de obesidade que tem hoje. A obesidade é
associada com uma série de doenças. Casos mais graves de obesidade também são
associados com depressão do sistema imunológico, porque a gordura não é só um
depósito de energia. Hoje, é vista como se fosse um órgão endócrino e produz uma
série de substâncias. Tanto na desnutrição quanto na obesidade extrema você tem
alterações da resposta imuno. Então, o exercício feito de maneira regular
protege disso. Agora, o que é ruim, é o excesso.
FOLHA - Correr uma maratona estando treinado é
excesso?
VAISBERG - Não, se ele treinar e se preparar
bem e estiver bem na véspera da maratona e não precisar se encher de
antiinflamatório para tirar a dor de garganta, a dor no corpo para correr,
beleza, pode correr, sem problema. Agora, o que não pode é um cara sem preparo,
sem uma boa alimentação, sem se tratar direito, com alguma infecção viral ou
bacteriana se meter a correr. Esse cara vai ter
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